Som e fúria

Vivemos num mundo de muitas vozes. Muita informação. Muito barulho por nada. Tempestades em copo d'água. Uma verborragia desenfreada. Parece que precisamos falar e ouvir o tempo todo. Ouvir a última do vizinho. As notícias do dia. Ouvir as sirenes, buzinas, o lamento do vencido, a comemoração do vencedor. A TV ligada por hábito. Ouvir e não calar. Falar sobre si. Sobre os outros. Sobre a última tragédia. Sobre o jogo de futebol. Sobre a previsão do tempo.

Parece até que o silêncio é pecado.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Um final e um (re)começo




Muita coisa aconteceu em 2011. Vida transbordando, a morte pregando suas peças, realizações imensuráveis, coisas bobas que eu deixei de fazer, aprendizados valiosos, mancadas irrepetíveis. Novos amigos surgiram e se tornaram essenciais, velhos amigos permaneceram mais necessários do que nunca. E outros se foram, assim como os dias.

De tudo que já se foi, restam apenas duas coisas: a lembrança e a lição. Do ano de 2011, só guardo as coisas boas que aconteceram. E só tenho a agradecer a dádiva/bênção/alegria/sorte de ter vivido esses dias com saúde e em meio às pessoas que amo. E por ter aprendido um bocado com as novas experiências e desafios.

Para o ano que vem, concentro os meus desejos em apenas uma palavra: evolução. Que cada um possa crescer a sua maneira. Se desenvolver, aparecer, fazer a diferença não apenas a si mesmo, mas para todos com os quais convive e compartilha a sua vida.

Porque só evoluindo poderemos nos tornar melhores. Mais responsáveis, sustentáveis, mais pacientes, mais tolerantes, mais sensíveis, preocupados, mais leves... Enfim, mais humanos.

Que cada um possa fazer sua parte em 2012.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Quando somem as palavras




Nunca imaginei que, diante da perplexidade da morte, ficaria sem palavras. Foram mais de dez dias em que nenhum verbo, pronome, substantivo ou adjetivo foram capazes de falar por mim. Invadiu-me, de súbito, um silêncio. Hoje entendo que é ele quem expressa muito mais do que qualquer texto seria capaz de fazer.

É neste silêncio sem murmúrios que escondi toda a minha dor. Creio que nunca foi tão intensa, indomável, profunda. Uma dor que sintetiza todas as dores numa só, e por isso afoga, engasga, ensurdece. Uma dor que ainda encontro, vez em quando, e que parece já fazer parte do que sou. No meu silêncio grita a ausência daquilo que podia ter sido e não foi. No meu silêncio habita uma saudade incurável, um inconformismo vão, as milhões de frases que eu queria ter dito e não disse. Toma conta do meu silêncio, as pouquinhos, uma imagem bonita e singela chamada lembrança.

O que fica são as lições, os exemplos e os conselhos, mostrando que muito ainda permanece. Esse muito inclui sua infinita bondade e humildade, sua simplicidade, descontração e até seu jeito desconfiado e às vezes pessimista de encarar as coisas. Esse muito é a sua ausência sentida a todo o momento. Seu jeitinho especial de falar, seus neologismos e expressões únicas, seus ditados e suas cantorias fazem a cada dia mais falta. Seus preceitos e suas lições de dignidade e retidão, que contribuíram para que eu me tornasse o ser humano que sou hoje, continuam ecoando aqui na Terra. Ainda assim, dói demais saber que o final, ainda que sabido, é sempre imprevisível.

A morte chega, derradeira, mas nunca estamos preparados para ela. O tempo nunca é suficiente, uma vida nunca é suficiente para tudo que almejamos. A única certeza da vida causa espanto, é enigma que ninguém é capaz de resolver. Por isso talvez seja melhor compreendê-la como um mistério e dizer um adeus acompanhado de uma grande interrogação. Afinal, o que consola é essa possibilidade de nos encontrarmos novamente – em outras vidas, outras dimensões – para poder dizer novamente eu te amo.

Para minha avó Dorli Manoela Braun.

terça-feira, 1 de março de 2011

O dia em que conheci alguém que nunca morreria




Era verão. Final de semana. Tinha sol. O mar convidava os cidadãos da orla a se refrescar. Em Imbé era dia de feira do livro. Enquanto muitos, talvez sem saber, talvez sem querer, seguiam suas vidas numa tarde típica de veraneio no litoral norte – tomando banho de sol, de mar, comendo um crepe, fazendo compras, enfim – a programação do meu fim de tarde era, finalmente, conhecer o Imortal.

Juntos fomos eu, meu irmão e a priminha de 6 anos de idade, que fizemos - com a mágica das palavras - ficar louca de vontade de conhecer o “Moa”, um senhor que escrevia livros muito legais e não morreria nunca. O brilho nos olhos da criança e a atenção que ela dispensou a sua fala escondiam a curiosidade infantil de quem tenta compreender esse mundo caótico, onde muitas vezes os livros e histórias ficam de escanteio.

Foi a beira da lagoa, perto da ponte, debaixo de uma lona de circo castigada, em companhia de umas poucas pessoas, que pela primeira vez vi e ouvi Moacyr Scliar. Vi e me encantei com sua simplicidade, singeleza, carisma, mas acima de tudo, com seu dom. Entendi ali todos os sentidos que poderíamos atribuir a sua imortalidade e o quanto isso era intrínseco a sua pessoa.

Isso foi há tempos atrás. E eu, que já gostava muito do escritor de A guerra no Bom Fim e Exército de um Homem Só, com o passar do tempo me surpreendi com a literatura fantástica que conseguiu tornar tão palpável a história de um homem que já foi centauro (O centauro no jardim) e com a imaginação fascinante de quem narrou detalhadamente as peripécias da mulher feia que teria escrito a bíblia (A mulher que escreveu a Bíblia).

Eu, que já admirava o escritor e cronista, passei a admirar também o grande homem por detrás das palavras. Imortal por sua obra, mas principalmente pelo ser humano exemplar que sempre foi.

Moacyr Scliar
☼ 23/03/1937 + 27/02/2011

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Vale quanto pesa? A estética da magreza e o “Rodeio das Gordas”



Meninas, imaginem a cena: você está caminhando tranquilamente pelo campus da universidade onde estuda, quando é abordada por um rapaz – bem vestido, boa pinta, provavelmente estudante, como você – que inicia um papo trivial. Você continua caminhando, meio intrigada com a abordagem, mas não quer ser indelicada com o cara, que continua te seguindo e tentando manter uma conversa. Em alguns segundos, esse mesmo cara literalmente pula e “monta” em cima de você como se fosse um animal. Os amigos dele aparecem gritando e cronometrando quantos segundos ele conseguirá dominá-la, enquanto, naturalmente, você grita e tenta se desvencilhar da criatura.

Ãh? Cena bizarra? Improvável? Bem-vindas ao ambiente universitário brasileiro, berço de futuros e competentes profissionais das mais diversas áreas. A criativa “brincadeira” surgiu na Universidade Estadual Paulista (Unesp). O alvo são mulheres acima do peso. O chamado “Rodeio das gordas” ganhou repercussão nacional na última semana. Segundo reportagem do G1, “ao menos 50 estudantes participaram do jogo”. Os agressores utilizavam uma comunidade no Orkut para incentivar que os estudantes cronometrassem o tempo que mantinham a garota presa e para sugerir premiações para quem ficasse mais tempo sobre as meninas.

A comunidade ainda está no ar e em plena atividade. A descrição é nojenta: “Ora, não quer ser objeto de brincadeira no rodeio? Pare de comer que nem uma vaca e emagreça!”. As comunidades relacionadas são repulsivas: “Penetração corretiva – lésbicas”, “Contra o voto feminino”, “Eu espanco mulheres”, “A mulher é inferior ao homem”, entre outras.

Por coincidência, pouco antes de me deparar com essa notícia terrível, li alguns textos da jornalista Eliane Brum que falavam - de uma maneira sensível e inteligente - justamente sobre esse preconceito da sociedade com os gordos. Ela se pergunta: “qual é o nosso problema com os gordos? Por que muitos acham as gordas (e os gordos) repugnantes?(...) Segundo o senso comum, além de feios e preguiçosos, gordos também teriam falhas de caráter. E, como tudo, para as mulheres acima do peso é ainda pior. Neste mundo em que se compram peitos, bocas e bundas no crediário, soa imperdoável não arrancar a gordura à faca”.

Neste mesmo texto, Eliane diz que “os gordos parecem ser os leprosos do nosso tempo”. Quando me deparo com episódios como esse e com outros acontecimentos do dia a dia, começo a pensar que sim.

Por que relacionamos gordura com feiúra? Ou com doença? Conheço muita gente magra com altos índices de colesterol. Conheço muita gente gorda linda por dentro e por fora. Mas, como relembra Eliane, “Se você não disse ou pensou, já ouviu alguém dizer: ‘olha que gorda nojenta!’”. Gordo virou sinônimo de xingamento, ofensa. Basta lembrar que quando alguma celebridade engorda alguns quilos é motivo de críticas, chacota e vira notícia na mídia.

O mais interessante da nossa sociedade é que além de impor padrões e criar mecanismos de exclusão para aqueles que não se encaixam é o fato de não admitir mesmo aqueles que se aceitam e convivem bem com a diferença. Mesmo as mulheres independentes, bem-resolvidas, com a auto-estima em dia e felizes com seu tamanho extra-large acabam rendendo-se ao sistema que garante que algo está errado. Felicidade não pode combinar com quilos a mais no manequim. E mesmo as pobres mortais que (ainda) estão com o corpo nos conformes são bombardeadas com reportagens sobre dietas, conversas sobre dietas, produtos light e diet e a certeza que é “natural” desejar ser magro.

Fiquei com vergonha pelo que os acadêmicos da Unesp fizeram e com pena das meninas que tiveram que passar por isso. Mas o episódio vem em boa hora para repensarmos um pouco nossos próprios preconceitos e o modo como cultuamos a magreza em nosso tempo. Para quem achava que bullying era coisa de escola primária, os marmanjos universitários provaram que maldade, preconceito e discriminação existem em todas as fases da vida. Mas provaram, principalmente, que a crueldade humana não tem limites.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Vergonha alheia? Eu tenho.



O que acontece quando se encontram um pré-adolescente arrogante metido a garanhão que só sabe falar em inglês com um exemplar típico da mulher brasileira burra e sensual que mal sabe falar português?

A resposta está em um vídeo com mais de 680 mil visualizações em duas semanas, onde a brasileira Sabrina Sato entrevista Justin Bieber, o fenômeno (?) teen que ainda nem mudou de voz, mas já sabe muito bem ser estúpido e grosseiro. Para quem não lembra da “apresentadora” do Pânico na TV e ex- BBB, cabe ressaltar que até hoje seu maior talento consiste em exibir seu corpo e sua ausência de cérebro em horário nobre.

Achei o vídeo muito mais triste do que engraçado e o maior sentimento que os 11min de interação entre o moleque, a gostosa e a intérprete me provocaram foi o de “vergonha alheia”. A começar pelos trajes sumários da apresentadora, que por pouco não fez top-less no final da entrevista. Além disso, vale destacar sua reação quase-retardada quando viu o menino pela primeira vez e a sua insistência em não “utilizar” a tradutora e ler as perguntas com um inglês tão tosco que até minha prima de 8 anos, que nunca estudou o idioma, seria capaz de superar.

Ok , o menino é uma estrelinha com muita fama e nada de maturidade, mas ser humilhada e continuar rindo e achando tudo “fofo” e divertido é um pouco demais para a minha compreensão. Fiquei com vergonha de ser brasileira e de ser mulher. Mas, pior do que isso, fiquei com vergonha maior por saber que esse programa vai ao ar toda a semana repetindo a mesma fórmula e não causa estranhamento. A gostosa-burra que faz rir está naturalizada e justificada na nossa sociedade porque afinal, ela está ganhando MUITO dinheiro para desempenhar esse papel.

O contracheque no final do mês é a carta de alforria que justifica tudo. Seria a Sabrina Sato burra, ou burras seríamos nós, mulheres que trabalham o mês inteiro e precisam de alguns anos para juntar a quantia que a apresentadora fatura em minutos? Sim, ela trabalha honestamente. Ela não faz mal a ninguém. E tem a liberdade de utilizar o seu corpo para aquilo que bem entender.

O que esquecemos é que isso deixa de ser um problema pessoal a partir do momento em que essas mulheres se transformam em figuras públicas. Pergunte às meninas em idade escolar o que elas querem ser quando crescerem e ouvirá em coro: modelo, atriz, cantora, apresentadora. Afinal, para isso não é necessário estudar, e aí estão Sabrina Sato e tantas outras mulheres-fruta para confirmar o que eu digo.

Será que o dinheiro justifica tudo? Parece que hoje em dia vale mais a pena malhar e fazer chapinha do que trabalhar em qualquer profissão que exija o uso do cérebro ou outras habilidades além de rebolar. “Eu podia estar roubando, eu podia estar matando...” mas estou prostituindo a minha dignidade por uns trocados. E viva! Viva a liberdade que as mulheres tanto lutaram para conquistar transformada em comédia de mau gosto.

Para quem não viu o vídeo: clique aqui.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Hoje o silicone, amanhã as covinhas




Furinho no queixo, covinhas no sorriso, pernas mais longas, dedos do pé mais curtos. O que antes eram apenas características genéticas de alguns, hoje tornaram-se sonhos de consumo (realizáveis!) de outros. O que a um primeiro olhar pode parecer excêntrico, cresce em popularidade nos Estados Unidos e países da Europa.

Isso mesmo. Silicone, lipoescultura e botox não são mais o limite. Aliás, limite é algo que parece não existir na busca por padrões de beleza cada vez mais inalcançáveis. E o que vejo, por todos os lados, é uma vaidade que beira a escravidão, talvez uma ânsia de enquadrar-se que não conhece limites.

Desejar que seu pé fosse alguns números maior ou menor me parece natural e plenamente passível de se conviver. Nunca vi alguém ter problemas sociais ou de auto-estima porque seu pé é pequeno ou grande demais. Tampouco alguém deprimido ou inconsolável porque não foi agraciado pela natureza com covinhas quando sorri. E, sejamos sinceros, ninguém até hoje morreu porque seus peitos não se parecem com as da mulher-melão.

Ainda assim, um número cada vez maior de pessoas se submete a intervenções cirúrgicas desnecessárias e, porque não dizer, injustificáveis. É claro que cada um pode – e deve – fazer o que bem entender com o seu rico dinheirinho, mas o mínimo de reflexão e senso crítico não faz mal a ninguém.

Conheço uma menina que gastou o equivalente a um carro popular para fazer algumas “correções” – silicone nos seios, plástica no nariz – e até hoje anda por aí de ônibus todos os dias para ir para o trabalho, ostentando orgulhosas suas novas aquisições. Conheço também uma senhora que trabalha fazendo faxinas aqui no meu bairro que está guardando dinheiro, adivinhem, para aumentar os seios com silicone.

O que aparentemente possa ser encarado como “liberdade de escolha” para alguns, nada mais é do que o mercado mostrando todo o seu poder de uma maneira que considero, no mínimo, cruel. Ficar “mais bonita” (leia-se, enquadrar-se em um padrão estético) tornou-se “um dever disfarçado de privilégio” (Bauman, 2008). Invista em você! Você merece sentir-se bem! Você merece ficar mais bonita! A prioridade é tornar-se, a todo custo, mais atraente – como um produto nas prateleiras dos supermercados, que precisa ser admirado e desejado.

A não satisfação das pessoas em relação àquilo que são ou àquilo que tem é uma marca registrada da cultura consumista, que nos estimula a sempre querer mais. Padrões inalcançáveis são criados para que permaneçamos sempre em movimento. Hoje o silicone, amanhã as covinhas no sorriso. E depois de amanhã, certamente algo que você jamais imaginou precisar um dia.

Talvez a gente descubra, com o tempo, que aquilo que realmente importa não é visível aos olhos. E não há dinheiro algum que possa comprar.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Por tudo que há de verdadeiro e imperfeito




Ela era alta, esguia. Medidas perfeitas. Ele era um pouco mais alto que ela, forte. Roupas faiscando de novas, olhavam-se perdidos no tempo e no espaço. E eram olhados por todos que ali passavam, com um misto de inveja e contentamento. Formavam um casal perfeito.

Ambos jovens e bonitos, uma vida inteira pela frente. Tinham uma espécie de compromisso: estavam juntos até que um deles mudasse de idéia, enquanto novas oportunidades não espreitassem a janela. O que havia era uma combinação, um trato, e não um laço. Algo que existia, mas era leve como o ar.

Cultivavam a arte do desapego, uma vida baseada em infinitos reinícios e esquecimentos. Ela gostava de saber que teria com quem passar o dia dos namorados e para quem comprar um presente, como manda o figurino. Ele gostava de saber que tinha uma opção sempre disponível quando não tivesse nada de mais interessante para fazer.

E seguiam, felizes, com seus sorrisos congelados. De frente um para o outro, seus olhares não se cruzavam. Estavam lado a lado, mas não olhavam na mesma direção. Sabiam que, se fosse preciso, amanhã seria simples esquecer e recomeçar tudo novamente, com outro alguém.

Os dois, como um modelo de perfeição a ser seguido. Capazes de dizer tantas vezes “eu te amo” mas insensíveis para vivenciar ou sentir o verdadeiro significado de uma palavra já tão banalizada. Os dois, como ícones a serem imitados. Tão acostumados a intimidade carnal, aos toques e as vozes, mas incapazes de sentir mais a fundo as nuances dos olhares e do silêncio.

Habitavam a mesma vitrine, na loja mais badalada do shopping da cidade. Sua perfeição plástica, seu padrão estético e sua superficialidade muda anunciavam: os sentimentos verdadeiros estavam em falta nas prateleiras neste dia dos namorados.

Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. E não se pode aprender a arte ilusória – inexistente, embora ardentemente desejada – de evitar suas garras e ficar fora de seu caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão – mas não se têm a mínima idéia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai pegar você desprevenido.(Zygmunt Bauman, 2004)